quarta-feira, 6 de outubro de 2010

PERDÃO, PERDOAR, AUTO PERDOAR

O PERDÃO PARA A PACIFICAÇÃO INTERIOR


por João Carvalho Neto - joaoneto@joaocarvalho.com.br


Uma situação com a qual nos deparamos nos consultórios de psicoterapia, que nos chegam com muita freqüência, diz respeito aos aprisionamentos a ressentimentos passados, dos quais as pessoas não conseguem se libertar e tão pouco lidar.
Percebo que uma parte significativa das angústias geradoras de transtornos psicológicos diz respeito à falta de perdão e de autoperdão para com as agressões que imaginamos receber daqueles que conosco convivem.
E digo imaginamos porque, muito mais do que alguém que nos agride, o ofensor é um instrumento da vida para nos ajudar a amadurecer nossas emoções, sentimentos e comportamentos, convidando-nos a uma atitude mais responsável e menos queixosa.
Penso que a principal questão que nos faz sentir magoados é a convicção de que existem culpados e que, por isso mesmo, merecem ser castigados. Fomos educados milenarmente pelas religiões a acreditar nessa correlação de culpa e castigo, aplicando-a aos outros e a nós mesmos.
Claro que a culpa é um instrumento psicológico importante para a sobrevivência das relações interpessoais, na medida em que serve de alerta para erros que devem ser corrigidos. Claro também que para uma sociedade sobreviver faz-se necessário que sistemas legais e judiciários estabeleçam regras e repreensões para a manutenção da ordem geral. Contudo, falamos aqui daquela culpa patológica, que permanece além do necessário para o ressarcimento da falta, e que enfraquece a personalidade, desviando-a da responsabilidade de reparar o erro para o castigo que nada constrói.
Por isso, queremos sempre penalizar aqueles que nos ferem e nos penalizamos também quando nos sentimos culpados de alguma coisa. Enquanto imaginarmos que existem culpados vamos continuar a aplicar castigos, nos outros e em nós mesmos.
Socialmente, conforme disse acima, isso é inevitável para a manutenção da ordem do conjunto, mas psicologicamente, no indivíduo, é justamente isso que nos leva a sentir a emoção da raiva que, quando mal trabalhada, tende a se transformar no sentimento de ódio, muito mais perigoso, sutil e ardiloso.
A raiva, ao seu curto tempo de existência, e o ódio, mais duradouro, envenenam as forças psíquicas do ser, tornando-o mais defensivo, precavido e fechado, tendencioso a se sentir sempre vítima de perseguições e afrontas. Com isso, a pessoa passa a não mais ver a realidade genuinamente como ela é, mas sim atribuindo a esta realidade um olhar marcado pelo sentimento de ameaças iminentes.
Quando Renato Russo na música “Pais e filhos” diz: “É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque se você parar pra pensar na verdade não há”, ele apresenta uma grande verdade. Não me refiro à percepção simplista de imortalidade ou não da alma, mas sim ao fato de que se você não ama e perdoa agora, seu futuro permanecerá vinculado a este momento, atribuindo um olhar tendencioso às situações por virem.
O perdão liberta a quem perdoa dos grilhões do ressentimento. Não é algo que se faz pelo outro mas sim por si mesmo. Sem perdão não há amanhã livre para amar e viver.
E nós temos tantas dificuldades em perdoar porque, no fundo, ainda acreditamos muito em culpas, culpados e castigos. Criamos até um Deus, no Antigo Testamento, com raiva que castigava aqueles que contrariavam suas ordens...
Na verdade, cada um dá à vida e aos demais semelhantes somente aquilo que tem. Aquele que nos fere o faz acreditando que é a única alternativa que possui, movido por suas emoções, seus traumas passados, suas limitações. Mas, com certeza, ainda não aprendeu a fazer melhor. Se já tivesse compreendido os intrincados mecanismos da vida não agiria assim.
Alguém pode estar pensando: “Mas esse cara quer que eu não me incomode com aquele que me machucou? Isso é deixar barato o meu sofrimento”.
Pode até parecer mesmo, e eu reconheço que é difícil pensar diferente quando o machucado dói na gente. Mas eu continuo a afirmar que quem perdoa se liberta e não especificamente ao outro. Guardar ressentimentos não fará voltar o que aconteceu, não mudará o passado, nem muito menos a vingança. Mas guardar ressentimentos muda a vida de quem os carrega consigo, faz ela ficar mais pesada, mais desgostosa, menos feliz.
Por isso, liberte pelo perdão e liberte-se pelo autoperdão. Seja feliz e permita que os outros também o sejam. Proteja-se, sim, das ameaças externas, daqueles que possam te ferir, mas não viva em função de ameaças que não existem mais. O que passou, passou; aproveita as lições que a vida vai te deixando e siga em frente, libertando e libertando-se.

Esse é o mundo mais pacificado que nos cabe construir e ele começa bem aqui, dentro de nós mesmos.

João Carvalho Neto
“Psicanálise da alma” e “Casos de um divã transpessoal”.



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