quinta-feira, 23 de setembro de 2010

O que é trauma?

O que é Trauma


O trauma, segundo Levine (1999), está na fisiologia instintiva; faz parte de um processo de defesa iniciado e comandado pelo circuito límbico e tronco cerebral. Ele é definido, não pelo evento que o causou, mas pelo resultado de uma sobrecarga de estímulos provocada no organismo.

A disponibilidade ou a ausência de recursos para lidar com uma situação de estresse, no momento em que ela ocorre, é que vão determinar o potencial traumático do evento estressor. O trauma se dá por uma ruptura na camada protetora do organismo, devido à super-estimulação no sistema nervoso e à falta de recursos disponíveis neste momento para modular esta experiência, levando assim a um estado avassalador e de impotência. Basicamente é uma resposta biológica de defesa incompleta, em um estado de alta ativação do sistema nervoso, na tentativa de se defender de uma ameaça em uma situação de desamparo, ocorrendo, então, o congelamento. Quer dizer, acessa uma resposta de imobilidade tônica, congelando respostas motoras e sensórias dentro de um processo de retro-alimentação negativo condicionado. Estas respostas então permanecem armazenadas a nível visceral e motor até que sejam descarregadas. Para Levine (1999), é um processo fisiológico e funcional: diante de qualquer estresse adicional ao já acumulado e do cotidiano que altere um dos circuitos cerebrais, pode ocorrer uma desregulação do sistema autonômico, ou seja, uma desorganização do sistema límbico e do tronco cerebral.

Segundo Levine (1977, 1999), o sintoma é um modo de o corpo se defender contra o alerta gerado pela constante percepção do perigo. No entanto, este sistema de defesa não é suficiente para suportar muito estresse. O estresse pode exercer um fechamento no sistema funcional do cérebro cortical em relação às outras instâncias cerebrais, liberando o funcionamento de estresse original juntamente com sua mensagem de perigo, mesmo que o perigo já não exista mais. Assim, qualquer evento que modifique o nível de funcionamento habitual tem o potencial de provocar sensações e emoções desconfortáveis, podendo facilmente a pessoa re-experimentar sintomas relacionados ao evento. O quadro se torna ainda mais complicado porque o que se experimenta é, em parte, à desordem não atualizada gerada pela defesa instintiva dos sistemas límbico e tronco cerebral, que defendeu o organismo naquela época do estresse original. Esta, em sua forma habitual, é gerada para a proteção do perigo de vida, que é revigorante. Quando esta resposta não é direcionada para sua função habitual, uma porção é redirecionada para o medo, ódio, fúria, vergonha, terror e/ou culpa como parte de uma constelação de sintomas que se desenvolvem na tentativa de organização do sistema nervoso sob o estresse não descarregado (LEVINE, 1986). Essas “emoções negativas” se tornam intrinsecamente associadas às sensações, percepções, odores e imagens, formando então um conjunto de efeitos colaterais que desgastam o organismo. Por fim, descarregar essa resposta de estresse acumulado é o que precisa acontecer. Porém, ao descarregar, o efeito pode ser terrível e intolerável, caso não haja uma intervenção organizadora nos sistemas.

Associação Trauma e Dor Crônica

A maioria das clínicas de dor trabalha mais com o sintoma da dor que com sua causa. Na medicina tradicional, tenta-se contornar ou reparar a dor física, ou até mesmo preveni-la. Levine especula que se os profissionais fossem treinados para reduzir um pouco do medo nos Prontos Socorros, em hospitais e órgãos públicos de saúde, existiria uma grande probabilidade de reduzir o quadro da dor e a instalação da dor crônica, ou diminuir a chance de re-traumatização. O tratamento que estimule o paciente a engajar-se socialmente, que valide seu estado emocional e que disponibilize uma escuta adequada colaboraria na prevenção do trauma crônico, diminuindo conseqüentemente uma série de complicações no tratamento.


Tanto a dor crônica quanto o trauma são fenômenos ainda marginais para a Biomedicina. Assim, tanto uma teoria quanto a outra buscam um reconhecimento ao estudar, pesquisar e criar terapêuticas para desvendar os enigmas que geram sofrimento crônico e doença.

Na medida em que a dor crônica se instala, ela é experimentada como algo que não se pode controlar, mas que desejaríamos desesperadamente poder fazê-lo. Ela acaba criando uma série de limitações: sua presença constante gera um sofrimento. Por si só, a continuidade do estado de desconforto traumatiza. Ao conviver com o sofredor, testemunhamos uma tensão associada à dor física e ao sofrimento da dor emocional potencialmente gerada pelo trauma, pois muitas vezes a pessoa não recebe apoio da família ou do médico, gerando uma maior tensão em torno desse sofrimento físico; o sofrimento da dor torna-se ainda mais crônico, como uma espiral que vai além dela, limitando, aprisionando, traumatizando também o paciente no campo da sua subjetividade.

De acordo com Levine (1999, p.100), o sintoma, num certo sentido, se torna a válvula de segurança do organismo. Esta válvula permite a saída de pressão suficiente para fazer com que o sistema continue funcionando. Além de sua função de sobrevivência, e do efeito analgésico, a resposta de imobilidade também é uma parte chave da queda do circuito do sistema nervoso. Sem ela, o ser humano não poderia sobreviver à intensa ativação de uma situação séria e inescapável sem se arriscar a uma sobrecarga energética. Para ele, mesmo que os sintomas sejam desenvolvidos a partir da resposta do congelamento, podem ser considerados com apreciação e gratidão, por terem sido uma maneira de sobreviver. Na patologia, o organismo irá acionar a senso-percepção para vivenciar qualquer pensamento, sentimento ou comportamento que possa ser usado em seu esforço de manter bloqueado o impulso de vida. As forças subjacentes à resposta de imobilidade e às emoções traumáticas de terror, raiva e impotência são, em última instância, sistemas biológicos de sobrevivência. O modo como acessamos e integramos esses sistemas, é o que determina se permaneceremos congelados e sobrecarregados, ou se nos moveremos e descongelaremos.

Ao ser vítima de um assalto, você pode descarregar o susto, permitindo que o corpo trema e dando continuidade neste processo natural de resolução. Ao sonhar, você pode lutar e se defender do assaltante como uma forma natural de fazer a descarga do evento estressante, neurologicamente, que estava retido no SN, e retornar ao estado de auto-regulação básica e funcionamento dinâmico do organismo. Entretanto, se após esse evento não houver tempo suficiente para esta descarga, ela pode futuramente desenvolver uma ativação crônica no Sistema Nervoso, manifestando sintomas do estresse pós-trauma. Outro exemplo: ao tentar dormir, você lembra que hoje passou perto do lugar onde sofreu um acidente. De repente, a memória do acidente emerge, provocando uma ativação súbita que o leva a entrar por completo numa resposta de luta e fuga. Você “acendeu” este processo de sinais internos, disparando um sistema de defesa inativo ou enfraquecido, pelo qual o trauma tende a piorar e a fixar em um estado de ativação crônica do sistema nervoso, sendo quase impossível um funcionamento normal dentro de tal circunstância.

O estado elevado de ativação, os sintomas, o medo de sair ou de entrar completamente no estado de imobilidade e também a percepção incômoda de que algo está errado produzem um estado quase constante de extrema ansiedade. Essa ansiedade funciona como pano de fundo de qualquer experiência na vida da pessoa gravemente traumatizada. E ela pode ser mais aparente para terceiros que para a própria pessoa.

Como no trauma, a pessoa com dor crônica percebe que algo errado está acontecendo com ela, mas é incapaz de responder a essa ameaça; nada que ela possa fazer, as suas defesas estão inativas. A pessoa perde a normalidade fisiológica que regula a informação sobre a dor, afirma Yeng (2006). Se por um lado ela perde essa defesa, por outro apresenta uma hiperatividade neuronal e uma disfunção da supressão da dor. Yeng (2006) e Teixeira (2001) esclarecem que:

Um paciente que tenha esse mecanismo do corno posterior da medula rompido, acaba sendo bombardeado ininterruptamente por estímulos dolorosos que de outra forma seriam bloqueados na própria medula. O resultado é gerar uma hiper-ativação do sistema talâmico dos tratos laterais da dor, que em última análise modificará todo o eixo neuro-endócrino-imunológico, alterando o humor, a fisiologia visceral, e inclusive níveis de hormônios e neuropeptídeos tais como cortisol, noreprinefrina e outros (JESSELL e KELLY, 1991).
Para falar da dor torna-se necessário abordar suas causas. E elas são muitas. Um bom diagnóstico facilita a recuperação e o retorno do paciente à sociedade e a uma melhor qualidade de vida. Yeng (2006) complementa que cada pessoa enfrenta a dor de muitas maneiras e que não existe um remédio milagroso. Os pacientes com dor crônica são passivos, portanto é necessário criar um mecanismo para que tenham uma participação mais ativa em seu corpo e em sua saúde.

www.se-rj.com.br/.../0033TraumaeDorCronicaSoniaGomes.doc


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